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William Wouters

As balelas da biodinâmica...

Atualizado: 26 de abr. de 2020

Há uns dias atrás, deitei-me nú debaixo da lua cheia para uma massagem biodinâmica. Foi uma experiência memorável. Chamem-me maluco… mas não sou o único. Há uns dias vi “ovos biodinâmicos” num supermercado.


Mas mais excitante que ovos ou até massagens, são os vinhos biodinâmicos. Ao olhar para a crescente lista dos produtores que adoptaram métodos biodinâmicos, é evidente que os vinhos nunca estiveram tão bons. Muitos importadores estão a ter isso em atenção. Um amigo meu, um importador de vinhos num país do norte da Europa disse-me: “as pessoas ligam-nos para saber que vinhos da lista são biodinâmicos”.


Pode ser a palavra na boca de todos os enólogos hipster, mas o que é que biodinâmico quer mesmo dizer no que à agricultura diz respeito? O ponto de partida é o orgânico: há uma regra básica que exclui tudo o que são pesticidas químicos, fungicidas ou herbicidas. Depois disso, os passos são bastante simples. Os viticultores aplicam preparações biodinâmicas naturais às suas videiras, e fazem composto para a vinha usando pequenas quantidades destas preparações.


A aplicação da biodinâmica parece ser de fácil entendimento, mas compreender as ideias por detrás da prática é um desafio maior. Demeter, a entidade reguladora internacional para os produtos biodinâmicos, diz que o objectivo da biodinâmica é “fortalecer os processos da vida no solo e nos alimentos”. Há várias formas definidas para alcançar este vago objectivo, e é aqui que tudo começa a soar um pouco estranho.



Os seguidores da biodinâmica são reconhecidos pelas suas práticas bizarras. A prática de encher (com bosta de vaca - o chamado preparado 500 e/ou sílica de corno - preparado 501) e enterrar os cornos de vaca é bastante famosa.  As substâncias que daí resultam são “dinamizadas” ao serem diluídas em água e misturadas vigorosamente por uma hora, primeiro numa direcção, e depois na outra. As soluções são pulverizadas nas videiras ou usadas no composto, juntamente com similares de urtigas, camomila, casca de carvalho e dente de leão.


Os timings são importantes para qualquer agricultor, mas os biodinâmicos levam-nos a todo um novo significado. Eles acreditam que as plantas são subtil mas directamente influenciadas pelas posições do sol, da lua, das estrelas e dos planetas. A maioria usa o calendário Maria Thun, que divide o ano em dias raiz, folha, fruta e flor. Acredita-se que o momento certo para as tarefas (plantar, podar, monda em verde, vindimar) é mais fácil de alcançar se feito no dia certo e à hora certa. A extensão lógica deste conceito é que o mesmo vinho terá um sabor diferente se bebido num dia fruta ou num dia raiz. Muitos juram que é mesmo assim.


É difícil conceber que a organização do cosmos possa ter um efeito tão directo nas uvas e nos vinhos. A resposta mais comum de enólogos convertidos é que se sentiram impelidos a experimentar os métodos biodinâmicos e ficaram convencidos com os resultados. O confessado céptico Noël Pinguet, anteriormente no Domaine Huët em Vouvray, diz que a biodinâmica foi contra a sua formação científica, mas quando viu o sucesso no seu hectare de teste, converteu toda a restante área para a viticultura biodinâmica. Olivier Humbrecht MW, do produtor Zind-Humbrecht na Alsácia, também “biodinamizou” a propriedade depois de um pequeno período de teste. Aqui em Portugal, a minha mulher Filipa Pato, na nossa Adega Filipa Pato & William Wouters, acredita que a conversão foi mais fácil para a nossa jovem adega porque não havia tradições ou expectativas. Ela diz: “Há muitas coisas que não consigo explicar. Mas o que se vê é inacreditável”. Precisam de saber que a Filipa é engenheira química com uma especialização em bioquímica…


Uma coisa que se torna evidente quando se fala com produtores biodinâmicos é que são pessoas atenciosas, curiosas, e muito apaixonadas pela terra onde trabalham. Nicolas Joly, dono de Coulée de Serrant no Loire, é um dos mais ávidos proponentes da biodinâmica. A sua retórica pode ser desconcertante, mas ele mantém que é errado fazer com que a biodinâmica pareça simples, porque é tudo menos isso. É um sistema de agricultura abrangente, com origem numa aula dada para um grupo de agricultores alemães em 1924, pelo prolífico autor e pensador austríaco Rudolf Steiner. Steiner disse: “Na natureza e pelo universo fora, tudo está em mútua interacção com tudo.” Ele descreveu as suas ideias como simplesmente “o que pode fluir de uma concepção viva do mundo”.

Um mantra recorrente entre convertidos à biodinâmica é compreender a terra de cada um. Os críticos argumentam que esta é a razão por que tantos vinhos biodinâmicos têm sucesso. Um produtor céptico diz: “isso só funciona quando se coloca os pés na vinha. As pessoas estão ligadas à sua terra.” Mas é mais que isso. Filipa Pato argumenta: “a chave é ser capaz de observar e desenvolver intuição – isto é fascinante porque muda a tua vida”. A Filipa diz que os vinhos dela são agora mais profundos graças à biodinâmica, sentimento ecoado pela Sara Dionísio e o António Ribeiro da Casa de Mouraz, no Dão, que dizem que a fruta delas é cada ano mais fantástica. Os produtores falam com regularidade da sua própria energia, e o compromisso de todos os trabalhadores da vinha com o bem-estar das plantas – uma mentalidade de harmonia com a natureza.

Identificar um vinho biodinâmico na prateleira pode ser difícil, porque apenas um pequeno número de adegas está registado na Demeter. Isto acontece, principalmente, porque os padrões deles não se relacionam especificamente com vinho, mas com a agricultura no geral. Um dos princípios fundadores da biodinâmica é que a quinta deve ser uma entidade auto-suficiente, com gado e uma série de culturas rotativas. Isto é incompatível com a monocultura das videiras, tal como praticada pela maioria das adegas hoje em dia. Há vários países a criar organizações com certificação específica para o vinho, nomeadamente a Biodyvin em França.


A França lidera o mundo no que aos vinhos biodinâmicos diz respeito, com alguns grandes nomes (Domaine de la Romanée-Conti, Domaine Leroy, Château Latour em Pauillac,…) a conferirem credibilidade aos métodos pouco ortodoxos utilizados. Mas o interesse está a crescer. No livro “Biodynamic Wines” de Monty Waldin, podem ler que a prática se aplica à maior parte das regiões. Ele diz: “é bom para todos os vinhos, mas obviamente que o terroir que a biodinâmica acentua, brilhará mais claramente em castas como o Pinot Noir e o Riesling”. De facto, a biodinâmica mostra-nos vinhos monovarietais com grande identidade (Luca Roagna em Barbaresco, Ferdinando Principiano e Eugenio Bocchino em Barolo). Esta é uma das principais razões por que a Filipa acredita que a Baga em viticultura biodinâmica confere uma profunda e verdadeira expressão do local (sem maquilhagem). De facto, ela diz que é um “modo real” de seguir o próprio terroir. Todas as diferentes localizações conferem complexidade aos vinhos.


Os produtores da Borgonha lideraram o caminho para o Pinot Noir e o Chardonnay, mas os produtores alemães de Riesling são mais reticentes relativamente à biodinâmica. Os seus receios são compreensíveis. Evitar o uso de herbicidas nas íngremes vinhas de xisto do norte da Alemanha torna a já difícil viticultura ainda mais difícil, e ainda mais cara. Para a maioria, simplesmente não é económico. É a mesma história para muitos na Califórnia: num solo fértil, as ervas são um grande problema.

Apesar de a biodinâmica ser, em teoria, adaptável a qualquer local, é mais fácil praticá-la onde há pouca probabilidade de doenças ou onde o solo é pobre – isto é, áreas naturalmente boas para cultivar uvas. Em Portugal, seria de esperar que paraísos vitícolas como o Douro ou o Alentejo estivessem cheios de biodinâmicos. Na verdade, há poucos. No Douro, a Niepoort, e no Alentejo, o Esporão, lideram o caminho. E porquê? Dirk argumenta imediatamente: “é mais difícil para uma grande empresa tornar-se biodinâmica, porque toda a gente tem que acreditar nela”.


Como muitos destes sábios e loucos produtores biodinâmicos, eu acredito que o Dirk está certo.


Alguns produtores biodinâmicos em Portugal (pode haver outros, mas estes eu sei que são totalmente biodinâmicos):
 
Aphros no Vinho Verde
Quinta da Palmirinha no Vinho Verde
Quinta do Romeu no Douro
Casa de Mouraz no Dão
Filipa Pato na Bairrada
Quinta de Baixo na Bairrada (Niepoort)

William Wouters

marido e parceiro na biodinâmica de Filipa Pato

melhor Sommelier da Bélgica 1992

personalidade do Vinho na Bélgica 2014

presidente Honorário da Belgian Sommelier Guild

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