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O terroir – ou por que é que os vinhos são diferentes?

Foto do escritor: Sara MatosSara Matos

Vinho que é vinho, é feito de uvas - se fôr feito com outra fruta, terá que se chamar vinho de pêra, ou de maçã, ou de ameixa. Vindimamo-las, esmagamo-las e fazemos sumo de uva (o mosto). As leveduras, fungos que existem nas uvas e nos equipamentos das adegas, vão fazer fermentar o mosto – comem o açúcar das uvas, transformam-no em álcool, e libertam para o ar, calor e dióxido de carbono.

Estas bolhas de dióxido de carbono são a parte visível do processo de fermentação


Se todos os vinhos são feitos de uvas, por que é que os vinhos são diferentes?

Por causa do terroir. Não há palavra mais repetida e provavelmente, menos entendida no que aos vinhos diz respeito. Segundo a OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho), “o terroir é um conceito que se refere a uma área em que o conhecimento colectivo das interacções entre os ambientes biológicos e físicos identificáveis e as práticas vitivinícolas aplicadas se desenvolvem, providenciando características distintas para os produtos oriundos dessa área.” Ou, de uma forma mais simples, o terroir inclui o clima, o solo, o terreno e as práticas culturais.


CLIMA

Clima e tempo. O clima de uma região define-se como a média dos padrões anuais de temperatura, nebulosidade ou precipitação ao longo de vários anos. Não muda de um ano para o outro, enquanto que o tempo, esse sim, é a variação anual daqueles elementos atmosféricos. O tempo e o clima são, portanto, duas formas de descrever as mesmas variáveis mas utilizando diferentes escalas temporais.


Climas quentes e frios. De uma forma geral, as regiões produtoras de vinho podem ser divididas em climas quentes e climas frios. As uvas de climas mais quentes (Califórnia, África do Sul, Chile) terão níveis de açúcar mais elevados (e por isso produzirão vinhos com mais álcool), enquanto as uvas de climas mais frescos (Alemanha, Áustria) terão menos açúcar e mais acidez.


Outros elementos atmosféricos. O nevoeiro pode ajudar a arrefecer uma área que seria demasiado quente para produzir uvas de qualidade. É o exemplo do Vale de San Antonio, na Califórnia, ou do Vale de Casablanca, no Chile. Mas uma nebulosidade alta também pode provocar quebras na produção, ao abrandar a fotossíntese e a impedir que as uvas amadureçam completamente.


A água é um dos elementos essenciais para o correcto desenvolvimento da videira. A precipitação ou a rega excessivas podem criar um desenvolvimento excessivo da parede foliar (folhagem), ou em casos extremos, fazer apodrecer as raízes, se a vinha não tiver um sistema de drenagem ou um solo apropriado. Por outro lado, a falta de precipitação pode ter um efeito positivo no estado sanitário das uvas (não há humidades nem desenvolvimento de fungos), mas também pode provocar seca.


Se a vinha está numa zona com vento, a humidade será tendencialmente baixa, mas se o vento fôr excessivo, pode impedir a correcta floração, o consequente crescimento dos bagos, ou até o desenvolvimento de flora na superfície desses mesmos bagos.


SOLO

O solo fornece à videira, água e nutrientes, e é composto por diferentes tipos de minerais com maior ou menos densidade (quão facilmente a areia se desfaz ou quão compacta é, por exemplo). O facto de um solo ser de areia, argila ou basalto interfere em factores como a drenagem da água, a retenção do calor, ou mesmo os sabores que pode imprimir nas uvas, e consequentemente no vinho (funcionam como um saquinho de infusão de compostos que as raízes absorvem). Os solos de areia (da região de Colares, por exemplo) são mais pobres em nutrientes, têm boa drenagem, e por isso são bons para climas chuvosos. A argila (na região da Bairrada, por exemplo), à superfície do solo, contrai e expande com a água, mas em profundidade retém a água e os minerais, e pode ser uma salva-vidas em período de seca. Os solos de basalto (da Madeira, por exemplo) têm boa drenagem e retêm e reflectem muito bem o calor.


TERRENO

Altitude. À medida que a altitude aumenta, a temperatura diminui. Isto faz com quem regiões muito quentes como Cafayate, em Salta, na Argentina, que está a cerca de 1700 metros acima do nível do mar, possam ter temperaturas mais baixas, essenciais para o desenvolvimento da videira.


Inclinação e orientação. As encostas orientadas para o sol e com elevado grau de inclinação obtêm o máximo de calor e de luz. Quanto mais afastada a região estiver do equador (climas mais frios), mais débil será a energia do sol. Por isso, é importante maximizar a energia solar com uma orientação e inclinação favoráveis - viradas a Sul no caso do Hemisfério Norte e viradas a Norte no caso do Hemisfério Sul, e em encostas íngremes. Em climas quentes, e para evitar escaldões da fruta, será crucial evitar a excessiva exposição solar - plantando-as viradas a Norte no Hemisfério Norte, e plantando-as viradas a Sul no Hemisfério Sul. Na verdade, as videiras são como as pessoas: gostam de sol mas sem excessos.


Biodiversidade. Sabermos em que medida é que a biodiversidade é benéfica para a vinha, é uma questão cada vez mais actual. Há quem defenda que a gestão desta biodiversidade, e a activação biológica da vida dos solos é a chave para um terroir de qualidade. Minhocas, bactérias e fungos necessitam de matéria orgânica (folhas, ramos, raízes, fezes) para se alimentarem. Os próprios animais herbívoros que visitam a vinha trazem microorganismos novos que influenciam a biodiversidade da vinha. Muitas plantas criam não apenas um coberto vegetal necessário para evitar a erosão do solo, mas também ajudam a criar o alimento para as minhocas e microorganismos se alimentarem, ao mesmo tempo que produzem fertilizantes naturais como o azoto e o fósforo.


CULTURA

Há videiras silvestres, não-domesticadas, mas as videiras utilizadas para a produção e comercialização do vinho são plantadas pelo Homem, são uma cultura. As videiras que se plantam, onde se plantam, quando se apanham as uvas, se se usam leveduras indígenas ou comerciais, qual a temperatura a que os mostos fermentam, se se filtram ou não os vinhos, são decisões das pessoas. Portanto a cultura e a tradição referem-se às técnicas utilizadas pelas pessoas daquela adega, região ou daquele país, e que podem passar de enólogo para enólogo, ou de geração para geração. Mas sendo decisões do homem e baseadas em métodos ancestrais ou com alguma história local, muitas serão baseadas, por senso comum, em factores como o clima, o solo e o terreno. Tudo se liga.


Conclusão

Apesar de serem todos feitos de uvas, os vinhos são diferentes porque diferentes factores como o clima, o solo, o terreno e as práticas culturais assim os fazem. E ainda bem que os vinhos são diferentes, porque os nossos gostos também são diferentes. Por que é que gosto de qualquer vinho feito por determinado enólogo? Ou por que é que não gosto de vinhos de determinada região? Saber de que vinhos gostamos é um caminho, uma aprendizagem, que pode e deve começar com os Wine Games, uma sessão divertida para individualmente, percebermos por que é que gostamos dos vinhos que gostamos.

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